Cana
Tratamento do caldo
Autores
André Ricardo Alcarde - Esalq/USP
Fabio Cesar da Silva - Embrapa Agricultura Digital
Antônio Sampaio Baptista - ESALQ/USP
A fermentação do mosto de cana-de-açúcar, essencial para a produção de uma bebida de qualidade alcoólica, requer cuidados na temperatura, acidez, pH e controle microbiológico para garantir a qualidade do processo e evitar problemas nas operações da sequência de centrifugação e destilação do vinho. Pois, trata-se de um processo bioquímico anaeróbio que transforma os açúcares em álcool e gás carbônico por meio de leveduras, que requer uma composição do mosto adequado com alguns cuidados mínimos que garantam a qualidade do processo.
O tratamento do caldo para fins de fermentação tem os seguintes objetivos:
- eliminação de impurezas grosseiras (bagacilho, areia), que aumentam o desgaste dos equipamentos e as incrustações, além de diminuírem a capacidade de produção e dificultarem a recuperação do fermento;
- máxima eliminação de partículas coloidais, responsáveis pela maior formação de espuma, redução da capacidade operacional da dorna e também por dificultarem a recuperação do fermento;
- preservação de nutrientes, vitaminas, açúcares, fosfatos, sais minerais e aminoácidos livres, necessários ao metabolismo das leveduras;
- minimização de contaminantes microbianos, os quais competem com as leveduras pelo substrato e podem produzir metabólitos tóxicos a elas leveduras, diminuindo a eficiência e a viabilidade do fermento.
É importante ressaltar que o rendimento de uma destilaria depende de uma série de fatores, tais como: a) qualidade da cana; b) eficiência de limpeza (seco ou úmida); c) preparo para moagem; d) assepsia da moenda e de processo; e) condução do processo fermentativo; e f) teor alcoólico no vinho.
Condução do tratamento
O tratamento do caldo para produção de álcool envolve: peneiramento, calagem, aquecimento, decantação, concentração e resfriamento. Considera-se que a limpeza da cana é responsável pela remoção de grande parte das impurezas grosseiras, sendo que essa eficiência depende de ser seca ou úmida, se a utilização da água não limita-se apenas ao do volume de água, mas também da qualidade da aplicação, do tipo de mesa instalada e das condições de solo e clima durante o carregamento.
Peneiramento
Visa à redução das partículas leves (bagacilho) e pesadas (areia, terra etc).
Os equipamentos utilizados são peneiras (vibratórias, fixas ou rotativas) e hidrociclones, os quais conseguem eficiência de 70 a 85%, dependendo do teor de sólidos na alimentação, condições de operação, abertura de telas etc. As principais vantagens da utilização da operação da peneiragem são, sobretudo, a redução de entupimento e de desgaste em outros equipamentos, válvulas e bombas. Quanto aos tipos de peneiras utilizadas no tratamento do caldo teríamos: a) peneiras fixas, tipo CUSH-CUSH (antiga) e tipo DSM que possui a elevadora na parte horizontal, formando um ângulo de 30 a 60º; b) peneiras vibratórias com malhas mais finas do que as peneiras fixas; e c) peneiras rotativas de menores áreas de exposição e menores problemas de contaminação.
Alcalinização
O tratamento de caldo com leite de cal não somente provoca a floculação e favorece a decantação das impurezas, mas também protege os equipamentos contra a corrosão. Em relação ao pH a ser alcançado, quanto mais se aproxima de 7,0, maior é a remoção de nutrientes do caldo e o excesso de cal pode afetar o crescimento da levedura em cultura. O pH do caldo decantado é ideal quando atinge a faixa entre 5,6 e 5,9, pois não provoca remoção significativa de nutrientes e diminui a ação corrosiva do caldo sobre os equipamentos, além de favorecer a redução do número de microrganismos contaminantes.
A calagem é conduzida continuamente pela mistura do leite de cal com o caldo no tanque de calagem, sendo a dosagem automaticamente controlada pelo monitoramento do pH do caldo calado.
Há outras opções de alcalinização do caldo. A cal dolomítica e o sacarato de cálcio têm sido utilizados. Tais reagentes, alterando as condições de pH do meio, aliado ao efeito da temperatura, quando adicionados ao caldo de cana, provocam a formação de precipitados, que produzem a remoção, em maior ou menor grau, de suas impurezas. No processo de sacarato desenvolvido pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), há formação de monossacrato. As melhores condições operacionais seriam ligeiro excesso de sacarose e temperatura abaixo de 58 oC. Há bons resultados práticos na utilização de sacarato de cálcio, observados na alcalinização do caldo nas usinas paulistas. Esses resultados podem ser explicados pela pesquisa de clarificação, em comparação à caleagem calcítica. O sacarato de cálcio oferecia melhores condições de volume de floculação e velocidade de sedimentação compatíveis na decantação.
Quanto à técnica da utilização da cal dolomítico, destacam-se os estudos realizados por Cesar e Caruso (2003), que observaram, na prática, que a adição de caleagem dolomítica poderia trazer os seguintes benefícios: a) redução das incrustações de sulfato de cálcio, o que torna a sua formação mais demorada e mais incrustações brandas, facilitando a sua limpeza; b) redução dos produtos químicos de limpeza, que é quase só mecânica, com redução de 40 a 60%;c) redução do tempo de limpeza em torno de 50%, com aumento no intervalo de limpeza - de 80 a 120%; e d) decantação do caldo sem alteração do tempo, borras de menor volume mais densa, caldo mais opalescente e açúcar mais brilhante. Por outro lado, a limitação da técnica é a necessidade de tempo longo de reação de MgO na hidratação, de mais de um dia por vez.
O aquecimento consiste em elevar a temperatura do caldo entre 103 e 105 ºC. O aquecimento em si pouco reduz a contaminação microbiana devido ao baixo tempo de residência em temperatura elevada. Para aquecer o caldo, utilizam-se normalmente aquecedores verticais, horizontais ou tubulares. Após o aquecimento, o caldo é levado para a próxima etapa, a decantação.
Decantação
Visando à separação (por meio da gravidade) de impurezas com mínima remoção de nutrientes, a decantação (Figura 1) é conduzida em menor intensidade na clarificação do caldo para destilaria do que na produção de açúcar. Esta menor intensidade é dada pelo menor tempo de retenção do caldo no decantador, que gira em torno de 3h ou 3,5h contra 4h a 5h para a fabricação de açúcar. Sendo que, na maioria dos aparelhos, para realizar a decantação contínua têm surgido, sempre com o objetivo de produzir um caldo mais claro, borras mais compactas, com menor tempo de retenção, evitando, dessa forma, as perdas de açúcar por inversão e decomposição, e produzindo um açúcar de alta qualidade.
Foto: Patrícia Cândida Lopes. |
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Figura 1. Decantação do caldo da cana-de-açúcar. |
Concentração do caldo
A concentração do caldo para produção e armazenamento de xarope é uma das operações de tratamento que serve como estratégia tanto para a elevação do teor de açúcar total do mosto, com consequente aumento do teor alcoólico, quanto para garantir a continuidade do processo fermentativo em paradas de moagem. No caso de armazenamento de xarope, sua concentração deve ser a mais elevada possível sem, contudo, atingir um limite próximo ao crítico da cristalização e evitar a presença de sulfitos.
A concentração ideal para armazenamento gira em torno de 60 graus Brix (valor do teor de sólidos solúveis contidos no caldo), embora usualmente se produza com concentração entre 50 a 55 graus Brix. A temperatura do caldo que alimenta a dorna é um fator importante no rendimento da fermentação. O sistema de resfriamento da dorna é projetado para manter a temperatura de fermentação e não para resfriar o caldo. Portanto, o caldo proveniente do tratamento deve ser resfriado a temperaturas convenientes por um equipamento adicional antes de ser direcionado à alimentação das dornas.
Referências
CESAR, M. A. A.; CARUSO, J.G.B. Observações sobre o uso da cal com elevado teor de magnésio na indústria açucareira. STAB, v. 21, n. 3, p. 38-40, 2003.
DELGADO, A. A.; CESAR, M. A. A.; SILVA, F. C. da. Elementos de tecnologia e
engenharia da produção do açúcar, etanol e energia. Piracicaba: FEALQ, 2019. 984 p.